Dia 25 de outubro de 1986,
voltando de assistir “Porgy and Bess”
vestido com um macacão de cetim branco
“traje a rigor” q criei com Zuria,
a Cozinheira do Oficina,
para poder entrar no Teatro Municipal do Rio
desço do ônibus na Praça da Gávea
pego a rua que leva ao apê de minha amiga Rochelle que me hospedava
passo pelo “Sagres”
bar do baixo Gávea fervendo naquela Primavera de 1986.
Em “Mistérios Gozozos”
Seu Olavo, vendendo Imagens de Santos no Mangue, cruza uma Mulher,
a Personagem, a prostituta Eduléia.
Não se vêem,
mas sentem uma eletricidade
um choque
percorrendo todo corpo
maior que ele, Corpo.
Eles, sem se verem, se dão o que o Poeta Oswald dá o nome nesta Cena de Mistério Religioso.
Meus olhos flanavam sobre a muvuca das mesas do “Restaurante Sagres”.
Numa rua em frente, ainda na Praça,
de repente senti “luz” saltar daquele quadro dark dos fins dos 80.
Continuei minha caminhada em frente para chegar ao apê e
veio pra nós o MILAGRE DO ESBARRO
nos jogou no Vertigo da Vertigem
nos fez voltar pra trás e nosso olhar se atravessa como ponte lisérgica, a rua.
O olhar determinado de Dionísios,
um menino lindo com os lábios muito carnudos
atravessou a rua e veio ao meu encontro.
A eletricidade eletrocutava.
Zé – “Vamos pro apartamento onde estou hospedado?”
Marcelo – “Vamos”
No quarto eletricidades fundiram
nossas carnes.
Nos amamos,
gozamos mistérios gozozos muitas vezes.
Então, num ponto de explosãao de uma onda-amor eu pus um Caderno Vinho entre nós: a 1ª versão de “Bacantes” que Catherine Hirsh, Denise Assunção e eu tínhamos acabado de criar.
Zé – Você lê Dionísio? Eu leio as outras personagens
Marcelo abriu o libreto cor de vinho, sem nos desabraçarmos, e fomos lendo e nos amando,
versos vibravam
mais nos excitavámos, mais e mais nos enlaçávamos.
Nascia Dionísios que eu tanto procurei. Antes, quis q Cazuza fizesse, mas Marcelo era geração baixo Leblon e um duplo do próprio, um Cazuza do Teato, mal sabia que tinha nele todas as máscaras de “Dionisios”.
Além de protagonismo de Ator Rei como dizia Orson Welles de si mesmo, e de ter um PAU famoso, o Caralho da casa do caralho da Xota, e do rabo que é o Oficina, Marcelo co-protagonizava comigo e com a Poeta Catherine Hirsh, de cara, toda luta pela construção do “Terreiro Elektrônico”: O “Teatro Pé na Estrada”, a “Rua” que Lina Bardi projetara, que agora tem saída e dá para o futuro Teatro de Estádio Oswald de Andrade.Fizemos tudo juntos. Dormíamos juntos, escrevíamos juntos, dirigíamos a Associação Oficina Uzyna Uzona juntos, até que houve um momento que éramos somente três pessoas: a saudosa produtora Conceição, Marcelo e eu, que redigimos a Ata daquele ano, e nós mesmo assinamos.Voltando a 1986.Marcelo foi pra onde morava, a casa dos pais dele. Não falamos quase nada. Phalamos e Atuamos “Bacantes”.Obcecado de manhã acordei e liguei pra ele e o convidei pra viver comigo em SamPã, no Oficina. Ele topou por telefone, sem reticência.
No dia seguinte, uma segunda-feira, estávamos na rua Japurá, uma casa enorme no Bixiga, atrás do teatro, mas totalmente vazia. A Casa tinha tido todos os seus equipamentos de vídeo, cinema, projetores, som, roubados durante uma anterior viagem de todo o Oficina Uzyna Uzona pra estreia do filme “O Rei da Vela“ no Rio.
Estávamos no Ponto Nada.
Mas havia chegado o que eu buscava.
Tinha feito um trabalho muito forte de Candomblé para que surgisse Donisios. Até hoje tenho uma ânfora branca onde troco as águas toda semana, sem deixar a ânfora vazia de água, e acendemos uma vela. Este Rito é feito, renovado, há 25 anos.
Nosso amor começou neste nada, onde já tínhamos o Roteiro mais importante: o Rito de Origem do Teatro.
No dia dos Mortos fomos até o Hotel Chinês, onde morava Catherine, a Poeta engenheira do Oficina Uzyna Uzona, para que Marcelo e ela se conhecessem. Foi amor à primeira vista. Passamos a criar juntos os três.
Marcelo no Natal tomou o 1º ácido no Teatro Oficina e viu que tudo estava nas mãos dele, não havia quase ninguém mais para levantar o Teatro.
Passamos o réveillon no Rio, entramos juntos no mar, banhamo-nos com Champagne e bebemos no Mar de Iemanjá. Uma mãe de santo amiga da cozinheira Zuria aconselhou que fossemos para uma praia deserta e tomássemos um banho com 9 garrafas de champagne.
Fomos pra Ilha do Cardoso viajando de ácido e nos banhamos com as 9 garrafas de champagne; nossa Lua de Mel.
Nos empanturramos de ostras de Cananeia, mas estavam estragadas e pegamos uma intoxicação brava que nos pôs de cama os dois, quase sem nenhum poder cuidar do outro.
No Carnaval ficamos em São Paulo, e com Marcelo, um extraordinário artista gráfico, editamos o Libreto da encenação de “Bacantes” enquanto passavam as escolas de samba na TV, cheios de Imagens feitas especialmente, apanhadas dos arquivos de Catherine que relacionava a tragédia do Governador Kadmos com a Morte de Tancredo Neves. Nosso super objetivo era re-construir o Teatro Oficina como Terreiro Eletrônico, como uma Rua, dando pras Catacumbas de Silvio Santos, o Teatro de Estádio, mas tinha que ser através de fazer Teatro.
Marcelo no aniversário da morte de Helio Oiticica entrou em surto e começou a criar um livro parangolé, penetrável: PÃND’ORO – feito de várias matérias, tecidos, terra e disquete de computador e plástico como terreiro eletrônico, da época, cortiça de rolha pras Bacantes e etc..
Até hoje este livro guia, é o Roteiro Sensorial Suprematista e visual da história do Oficina.
Enquanto não vinha o Teatro, teatralizava no papel e estudava lendo tudo sobre teatro que aparecia. Eu lhe dedicava traduções que ele gravava e depois datilografava, como o texto “Comer os deuses”, de Ian Kott, um dos mais belos escritos sobre “Bacantes” e o “Teatro Nô”.
No dia da primavera de 1987 abrimos testes para as Bacantes, no Teatro ainda sem cobertura, no chão de areia. Chovia, vieram mais de 600 pessoas e nós escolhemos pelo vídeo que Marcelo fez. Foi o 1º elenco da peça e começamos a montá-la no Oficina canteiro sem Obras.
Vendemos o Arquivo 20 anos para a UNICAMP, para o ARQUIVO EDGARD LEUENHEUTH, e com o dinheiro levantamos a escada em caracol do teatro e um mezanino que hoje é o Palco Norte do Terreiro eletrônico.
Chegamos a montar os 7 primeiros cantos, q foram encenados pelo 1º Coro das Bacantes, musicados por mim, mas não chegamos a entrar nos episódios, onde entra Pentheu.
Fora os cantos dos Coros, Marcelo tinha somente uma frase, “Ganhei a Parada!”, como Satã Satyro, personagem q indus Zeus – Wolney de Assis, a ter relação com a mortal Semelle, Denise Assunção, para que ele pudesse nascer como Dionisios, “deus feito homem”.
Os trabalhos foram interrompidos. Não havia mais dinheiro para fazermos mesmo na precariedade radical como queria Lina Bardi, o Teatro.
Marcelo foi passar o Natal com a família.
O assassinato de Luis Antônio no Natal de 1987 aconteceu no dia 23 de dezembro, mas somente soubemos quando a Policia invadiu o apartamento no dia de Natal. Estávamos esperando Luis em Araraquara para a ceia com minha família. Depois das inúmeras ligações para o Rio, para o apartamento dele, fui atendido por um policial que depois d’eu me identificar me disse: “O seu irmão foi assassinado.” Repeti berrando para que toda sala me ouvisse e tomei um ônibus para São Paulo, cheguei de avião no Rio de manhã, com Marcelo no Aeroporto, me esperando e me levando para casa de seu irmão onde começou nossa luta desesperada para tirar uma lição de vida com o que acontecera, pra jogar Luis, Luz, na Cidade.
Só a solidariedade amante nestes momentos me fez suportar a tragédia em sua enorme Dor. Marcelo não me conhecia como Bicho de Teatro, mas sim a Luiz, que admirava e de quem via todas as peças. Conseguimos proclamar em praça pública o crime cometido por homofobia com 107 facadas. Era um assunto de armário. As famílias tinham vergonha, mas nós abrimos totalmente, fizemos com toda classe artística do Rio a Missa de 7º dia em Praça Publica, na Nosss Senhora da Paz em Ipanema. A praça não estava ainda cercada.
No dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, todos amigos de Luis e as pessoas comovidas com a brutalidade do crime que investe mais de 100 facadas num corpo, quando sete já dadas bastariam para matar, fizemos um Rito em frente ao Ex-Cassino, na Praia da Urca, para enterrarmos o Sangue dos lençóis de Luis, q Marcelo, amigos e amigas de Luis foram buscar no seu apartamento, liberado pela policia, onde havia marca de sangue do acontecimento por todas as Paredes.
Fizeram uma máscara de meu rosto, Luis parecia-se muito comigo, e Marcelo a colocou no rosto e no Corpo nu em frente ao mar. Sob tambores foram fincados 107 punhais no Corpo de Marcelo, enquanto numa fogueira se queimavam os lençóis ensangüentados.
Foi o Ator que interpretou no Rito, Luís.
Depois carinhosamente foram retirados os 107 punhais.
Marcelo então caminhava até onde estavam as cinzas do sangue queimado,
penetrava o mar e ia com elas para depositá-las na Baia de Guanabara.
Voltamos para São Paulo e os rituais se sucediam. Eu já queria desistir de tudo, de construir um Teatro, de fazer mesmo teatro, mas Marcelo tomou a direção da obra e fez com que se começasse a plantar a trama subterrânea de fios e me mostrou. Tive a impressão de uma horta coberta com plásticos.
O Evento era ecumênico e veio gente de todas procedências, classes, etnias. Chovia fino. Nos telões, na marquise do balcão Norte, projetávamos as belas entrevistas de Luis, e o Oficina acolheu tudo produzindo o milagre de danças, orações, cantos, palavras entrelaçando-se.
Voltei a acreditar no valor incomensurável não somente do teatro, mas daquele teatro e de Marcelo Drummond.
No fim do ano eu devia me encontrar novamente na ceia de Natal em Araraquara com minha família. Não sabia onde ia buscar força. Resolvemos montar a cena de “Lulu”, que Luis estava montando com Fernadinha Torres quando foi assassinado em circunstâncias semelhantes a da personagem apunhalada no Natal por Jack Estripador. No VHS de Luis roubado pelos assassinos estava o filme de Pabst, “Lulu”. Essas coincidências impressionavam tanto que sinto que se Luis tivesse conseguido montar a peça, o crime não teria ocorrido.
Eu faria no horário do assassinato de Luis, dia 23, às 14:30h, com Pascoal da Conceição no papel do Estripador e Marcelo no de Lulu. Mas Pascoal sentia que o papel lhe fazia muito mal e desistiu, então aconteceu o que tinha de acontecer. Eu fiz Lulu e Marcelo, Jack Estripador, que me deu 107 facadas.
A Encenação ocorreu num cenário Tarkowiskiano de lama no teatro onde chafurdamos.
Eu queria experimentar a dor de meu irmão. Ele me aparece no clímax da cena e me diz com sua cara rindo como sempre, muito elegantemente vestido, que eu devia acabar com isso, que ele estava bem e e que eu devia cair na vida de novo.
Se eu for escrever os 25 anos, serão muitos livros. Paro por aqui, mas antes quero afirmar que graças a Revolução Digital, todas interpretações deste grande ator estão profissionalmente gravadas.
Inclusive uma que me esqueci, de DAMIAN DAMIÃO, em “Os Bandidos”, de Schiller.
A entrada de Marcelo em cena por sua teatralidade peculiar, por sua grande beleza excitante na cena ao vivo e nos DVD’s provocou um ciúme imenso na classe teatral dos anos 90, saída dos reacionários anos 80. Eu tinha sido depois do retorno do exílio, extremamente bodificado. Me chamaram de tudo por eu seguir o oposto do mainstream querendo caminhar para um Estado Teatro Vida Bruxaria e ainda de Estádio. Tanto que comecei fazendo o Fantasma de Ham-let porque eu não era visto, uma figura descartada da Corporação teatral, um louco que tinha destruído um Teatro.
Mas a partir do êxito de “Ham-let” o Bode em cima de mim foi passando socialmente para Marcelo.
Quero afirmar que a posição de Bode é inevitável se você quer mergulhar na Arte Teatral da TragiKomédiOrgya. Fui chamado de tudo e agradeço muito. Tudo isto me formou como um Velho Satyro Tragicômico sacana. Assim se passaram os 25 anos com Marcelo. Mas Tragédia quer dizer “O Bode q Canta”, e nunca deixamos de Cantar o Bode, por isso somos Bodes de Teatro mesmo.
A Mídia concentra todo Oficina na minha pessoa, eclipsa quem trabalha comigo. Agora com a Intenet tem sido diferente. Os fotógrafos revelam outro olhar desterritorializado, despatriarcalizado, fotografam o q vêem, sem saber que é que vai ser a celebridade daquela peça.
É uma Revolução em pleno processo .
Marcelo Drummond é agora um Bode Ator muito amado, não somente no Brasil.
A percepção da grandeza deste Artista de Teatro hoje é indiscutível. Como diretor e redescobridor da obra de José Vicente em “O ASSALTO” e “SANTIDADE”, na qual tive o prazer enorme de ser dirigido por ele, seu nome é desejado como diretor por muitos atores.
Quando vi “O ASSALTO”, senti o que as pessoas dizem quando viram “O Rei da Vela”. Fiquei pasmo de beleza!
Mas nem tudo é esta maravilha. Mas outra.
Brigamos muito, sobretudo nos Ensaios. Em casa, onde habitamos no Paraíso em Pontas opostas de dois apartamentos q alugamos e reunimos num só, Paz absoluta.
Mas nos ensaios?!
Ele já me mandou calar a Boca em cena agora na “Macumba”!
Mas isto é uma maravilha, quebra com a mistificação em torno de uma pessoa jurídica de mídia chamada Zé Celso, com a qual não me identifico.
Essa contradição é um incentivo para os jovens boquiabertos e deslumbrados passarem a ver inclusive minha pessoa física como um bicho humano entre os demais.
Rompe com esta nuvem de medo que as pessoas tem diante da minha presença mistificada num outro outro que não é meu Outro.
E nossas discussões são acima de tudo PROCRIATIVAS.
Como coelhos procriamos todos estes anos, com nossas diferenças às vezes radicais. Mas a Arte Teatral vive na Contradição, na dialética, que só encontra sua síntese na procriação.
Detesto que me congelem mistificando-me com respeito, a mim, este Senhor.
Foi o Carisma de Marcelo que atraiu sua geração para trabalhar comigo, através de seu gênio de espírito de porco. Assim como trouxe Alexandre Borges, Denise Assunção, Pascoal da Conceição, Cibele Forjaz, Alleyona Cavalli, Giannichini, agora nós que somos umas 80 pessoas, temos em Marcelo um permanente animador, menos sério, apesar de Palhaço, q eu.
Hoje vai nos dar um ensaio de “PARANÓIA” em que já reuniu muita gente em poucos dias pra trabalhar com ele.
Depois vai estrear dirigindo na Praça Roosevelt uma peça de Plínio Marcos, “O Anão do Caralho Grande”, com um elenco dos recusados no elenco atual do Oficina Uzyna Uzona.
Já descobriu o que ninguém viu em Plínio Marcos, sua douçura. Encantou seu elenco de ex-recusados, agora incorporados por este Mestre Bufão na grande viagem da Arte Teatral Brasileira deste 2011 tão pleno de ventos revolucionários.
Pra que mais?
Zé
AMOR HUMOR E MUITAS NOVAS BRIGAS
É therna Mente